FESTA DE SÃO LUCAS
Dia de 18 de outubro: da Festa de São Lucas ao Dia do Médico
18/10/2023, Jornal Testemunho de Fé, Rio de Janeiro
A memória de São Lucas é celebrada pela Igreja de Roma desde o século VIII, no dia 18 de outubro. O Martyrologium Hieronymianum, lista mais antiga de mártires da Igreja Católica (século IV) assinala a data como recordação do seu natalício pela Igreja no Oriente. No entanto, quando e por que esta data passou a ser associada com o Dia dos Médicos no Brasil?
Segundo o Martirológio Romano, São Lucas, nasceu em Antioquia da Síria, na atual Turquia, de uma família pagã. Convertido à fé de Cristo, foi companheiro caríssimo do apóstolo São Paulo e ordenou diligentemente no seu livro do Evangelho tudo o que Jesus fez e ensinou, tornando-se o escriba da mansidão de Cristo. Além disso, nos Atos dos Apóstolos transmitiu os primeiros passos da vida da Igreja até à primeira estadia de São Paulo em Roma. A qualidade do texto original grego do Terceiro Evangelho e dos Atos dos Apóstolos revelam o elevado grau de instrução do seu autor, mas é na Carta aos Colossenses que São Paulo nos revela a sua profissão de médico.
Saúdam-vos, enfim Lucas, o querido médico e Demas. (Cl 4,14)
Pouco sabemos da vida do santo após a morte de Paulo. O prólogo anti-marcionita afirma ele serviu a Deus sem distração, não teve mulher, nem filhos e faleceu aos 84 anos, cheio do Espírito Santo, na região da Beócia, na Acaia, atual Grécia. Sua sepultura original encontra-se da cidade de Tebas, segundo a tradição ortodoxa.
Ainda segundo a tradição, as relíquias do Santo Médico foram transladas no século IV para a Igreja dos Santos Apóstolos em Constantinopla e em data desconhecida, para a Abadia de Santa Justina em Pádua, onde são conservadas até hoje.
A partir do século XI, com a criação das corporações e guildas profissionais medievais, e o surgimento das primeiras universidades do ocidente, São Lucas, junto com São Cosme e São Damião passaria ser invocado como patrono dos médicos e dos cirurgiões. Na Universidade de Bologna, a mais antiga da Europa, fundada em 1088, São Cosme e São Damião são os patronos dos médicos e artistas, enquanto São Lucas evangelista é o patrono dos Docentes de Medicina e Artes.
Sarcófago de São Lucas, Abadia de Santa Justina, Pádua
Na Universidade de Pádua, São Lucas é o patrono do Colégio dos Filósofos e Médicos. Nesta universidade, de 1410 a 1560 o ano letivo tinha início em 18 outubro, dia da Festa Litúrgica de São Lucas. O estatuto deste colégio previa desde 1434 a celebração de uma missa solene no dia 18 e outubro com a presença de todos os docentes na Abadia de Santa Justina, onde está sepultado o santo. A tradição permaneceu por quase três séculos, até o ano de 1725.
Na França, São Lucas é o patrono das faculdades de medicina e sua festa era celebrada em todas as universidades, até o advento da revolução francesa. A partir daí a secularização do ensino superior e dos hospitais levaria a um gradual esquecimento da figura de São Lucas pela classe médica.
Somente em 1884, a devoção dos médicos a São Lucas voltaria a ganhar força na França, com a Fundação da Sociedade Médica de São Lucas, São Cosme e São Damião pelo Dr. Le Bele, na cidade de Mans com apoio de Dom Charles Couturier OSB da Abadia de Solesmes. Rapidamente estas sociedades de médicos católicos se espalhariam por toda a Europa e logo atravessariam o Atlântico, chegando ao Brasil em 1904.
A primeira Sociedade Médica de São Lucas e São Rafael foi fundada no Rio de Janeiro em 1904 pelos médicos Nerval de Gouvea, João Batista de Lacerda, Álvaro Ramos, Henrique Taner de Abreu e Antonio Felicio dos Santos. Infelizmente esta sociedade teria vida curta, interrompendo suas atividades em 1906.
Em 18 de outubro de 1922 os médicos católicos do Rio de Janeiro foram convidados para celebrar a Festa de São Lucas na Igreja de São Francisco da Penitência, no Largo da Carioca. Ao final da missa foi proposta a refundação da Sociedade Médica de São Lucas que teria por objetivo o desenvolvimento da medicina no Brasil, assim como a propaganda e a defesa da fé e da moral católicas no exercício da profissão médica que foi aprovada por todos os presentes.
A um século atrás em 18 de outubro de 1923 foi oficialmente instalada a Sociedade Médica de São Lucas após Santa Missa presidida por Dom Joaquim Mamede na Igreja da Penitência. A partir de então a sociedade organizaria anualmente a Festa de São Lucas para honrar seu padroeiro que passaria da Igreja da Penitência para a Catedral Metropolitana em 1925.
A celebração tornou-se uma tradição sendo anunciada nos jornais da época, contando com a presença de representantes da Academia Nacional de Medicina. A tradicional missa seria transferida para Capela da Casa de Saúde São José no ano 1967, sendo a última registrada em 1968, 3 anos do encerramento das atividades da sociedade.
Fonte: O Jornal (RJ), 1929
A Sociedade Médica de São Lucas do Rio de Janeiro inspirou a formação de outras sociedades congêneres por todo o país: São Paulo (1928), Belo Horizonte (1929), Bahia (1933), Fortaleza (1937), Pernambuco (1939) e Porto Alegre (1939). Destas a única que permanece ativa até os dias de hoje é a de Fortaleza, fundada pelo jesuíta Pe. Monteiro da Cruz e que reúne anualmente os seus membros para um retiro espiritual e que sediará o V Congresso Brasileiro de Médicos Católicos entre os dias 14 e 16 de novembro de 2024.
Embora a celebração de São Lucas como o patrono dos médicos já seja uma antiga tradição em grande parte do mundo católico a ideia de festejar um Dia dos médicos é algo recente, com os primeiros relatos de celebração nos Estados Unidos da América na década de 1930. Não existe consenso internacional sobre a data a ser celebrada, embora em 2020 a Associação Médica Mundial tenha proposto dia 30 de outubro como o Dia Internacional da Profissão Médica.
Em 1957 o Instituto Brasileiro de História de Medicina foi a primeira instituição nacional a propor a criação de um Dia do Médico a ser celebrado do dia 05 de agosto, natalício de Oswaldo Cruz, grande sanitarista e fundador da medicina experimental no Brasil. A proposta foi apresentada à Câmara dos Deputados por duas ocasiões em 1957 e 1960 sem sucesso, sendo finalmente arquivada em 1971.
Ao longo da década de 1970 as Assembleias Legislativas dos estados de Minas Gerais, Pará, Guanabara, São Paulo, Rio Grande do Sul e Mato Grosso instituíram o Dia do Médico a 18 de outubro, por lei estadual. Foram apresentadas proposta a Câmara dos Deputados (1972 e 1978) e ao Senado Federal (1975) para fixar o “Dia Nacional do Médico” em 18 de outubro. A despeito de aprovação nas comissões estas propostas nunca chegaram à votação em plenário e terminaram arquivadas. A data passaria a ser celebrada em âmbito nacional após adoção pela Associação Médica Brasileira (AMB) e pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) com sessões solenes e festas para reunir a classe médico, descolando-se do seu sentido religioso.
Somente na década de 1990 novas associações médicas católicas seriam fundadas no Brasil retornando à tradição de festejar a memória do seu excelso patrono com missas a ele dedicadas, reunindo a classe médica por todo o país.
Pedro Pimenta de Mello Spineti
Presidente da Associação Brasileira de Médicos Católicos (2021/2024)
São Lucas e os Médicos
“Saúdo-vos Lucas, nosso querido médico” (Col 4,14).
18/10/2022, Jornal Testemunho de Fé, Rio de Janeiro
Celebramos no dia 18 de outubro a festa litúrgica de São Lucas, evangelista. São Lucas é autor do evangelho que leva o seu nome e do livro dos Atos dos Apóstolos. O livro dos Atos dos Apóstolos é um desdobramento de seu evangelho, como uma continuação de tudo aquilo que ele já pensava e do conhecimento que ele tinha de Jesus.
São Lucas, nasceu em Antioquia na Síria, e foi médico de profissão, convertido pelo Apóstolo Paulo e, após a sua conversão, tornou-se companheiro de missão de Paulo. Como colaborador na missão de Paulo, viajavam para diversos lugares com o intuito de evangelizar os gentios. Paulo tinha grande estima por Lucas, pois Lucas era portador de uma grande fidelidade e zelo no coração.
O Espírito Santo modelou São Lucas e o inspirava na missão para falar de Deus e, junto com Paulo, evangelizar os gentios. São Lucas certamente contava da sua experiência de conversão e, através dessa experiência, podia evangelizar os gentios. Por meio da doce ação do Espírito Santo na vida de Lucas, ele pôde escrever o Evangelho e o livro dos Atos dos Apóstolos.
Em seu Evangelho, Lucas apresenta Jesus como o mensageiro do amor universal, revela um Deus misericordioso que ama e acolhe a todos. É no Evangelho de Lucas que Jesus chama Zaqueu, se revela a Maria Madalena, antes de morrer garante o paraíso ao bom ladrão e, ainda, conta as parábolas do filho pródigo e do bom samaritano. No livro dos Atos dos Apóstolos, São Lucas conta como iniciou a Igreja primitiva e como o Espírito Santo inspirou os apóstolos.
Em boa parte das missas dedicadas à Nossa Senhora, o Evangelho proclamado é de São Lucas, porque foi São Lucas que mais falou sobre a vida da Virgem Maria, sobretudo, a partir do anúncio do anjo Gabriel, apresentando Maria como a cheia de graça e escolhida por Deus para ser a Mãe do Salvador.
Cada Evangelho sinótico tem a sua particularidade, cada um trabalha um aspecto da vida de Jesus. Algumas passagens são semelhantes e outras não, depende da experiência que cada evangelista teve com Jesus. Todos os três evangelhos sinóticos começaram a ser escritos a partir da paixão, morte e ressurreição de Jesus. Os evangelhos são como fossem a biografia de Jesus e relatam a construção do Reino de Deus iniciada por Jesus.
O Evangelho de Lucas é um dos mais completos dentre os três sinóticos, pois traz alguns fatos da infância de Jesus. Lucas deve ter escrito o seu Evangelho por volta do ano 65 d.C. e, no ano 67 d.C., o livro dos Atos dos apóstolos.
Por duas vezes que Paulo esteve preso em Roma, Lucas ia visitá-lo e conversaram bastante, sobretudo, partilhando sobre a Igreja de Jesus Cristo e o anúncio do Evangelho. Paulo chamava Lucas de “médico queridíssimo”. Lucas ajudava Paulo em suas dores corporais e nos sofrimentos que padecia na prisão. Paulo chega a escrever a Timóteo em seu segundo cativeiro, no ano de 67 d.C., que Lucas é único companheiro que ele tinha na prisão, todos os outros tinham abandonado enquanto esteve preso.
Lucas viveu até os 84 anos, uma idade considerável devido à época, mas foi martirizado, do mesmo modo que os demais apóstolos e, inclusive, seu companheiro de missão Paulo. Lucas é considerado o padroeiro dos médicos, pois ele também exerceu esse ofício, como diz Paulo na carta aos Colossenses: “Saúdo-vos Lucas, nosso querido médico” (Col 4,14).
Peçamos a São Lucas que interceda por todos os médicos e que cada médico exerça com amor a sua profissão e ajude aqueles que mais precisam a restaurar a sua saúde. Que todos os médicos se inspirem em Jesus Cristo, o médico dos médicos, e sejam abençoados por Ele.
Toda profissão deve ser exercida com amor e dedicação. Ser médico é uma vocação e um chamado de Deus. Por isso, assim como qualquer outro trabalho, para ser médico é preciso gostar do que se faz e amar as pessoas e a profissão. Cada um de nós tem lembrança do médico que marcou a vida da família.
Que possamos respeitar e valorizar o médico e que seja mais fácil ingressar numa faculdade de medicina para aqueles jovens que desejam ingressar, que muitas vezes desistem por causa de inúmeras dificuldades, sobretudo, por questões financeiras.
Celebremos com alegria a festa litúrgica de São Lucas, apóstolo e evangelista, e que possamos ser testemunhas de Jesus Cristo nos dias de hoje, da mesma forma que ele foi. Que ele interceda por todos os médicos, para que exerçam com afinco e dedicação a sua profissão e que tenhamos um serviço de saúde de qualidade para oferecer aos que procuram.
Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ